5 de julho de 2008

No ar, algo além dos aviões: comerciais de TV

Em geral, assim como as campanhas de cigarros nos áureos tempos, anúncios de companhias de aviação são muitos bonitos, cheios de glamour e charme; raramente, porém, são criativos de fato. Apesar disso, houve peças verdadeiramente brilhantes ou provocativas, principalmente comerciais, alguns dos quais tentarei descrever a seguir.

Hotéis, restaurantes, empresas de navegação e companhias aéreas sempre conviveram mais ou menos bem com os “colecionadores” de souvenirs – uns fingindo que não vêem, a maioria diluindo o prejuízo entre os próprios clientes (via acréscimos nos preços), e assim por diante. Mas a Braniff resolveu transformar o limão numa limonada; e fez do assunto o tema de um comercial memorável.



Colecionando lembranças - Os colecionadores de souvenirs movimentam um comércio que envolve milhões de dólares. Inclusive através da internet.



A bordo de um avião, uma simpática velhinha vai arrebanhando e, discretamente, colocando na bolsa, tudo o que lhe cai nas mãos: louças, talheres, o travesseirinho e até o cobertor – sob o olhar cúmplice das aeromoças. Enquanto isso, a locução vai dizendo algo mais ou menos assim: – “A Braniff fica muito satisfeita ao ver que as pessoas gostam tanto de viajar com ela, que fazem questão de levar alguma recordação das agradáveis horas de vôo. Mas, ficaria ainda mais satisfeita caso não houvesse certos exageros”. Neste ponto, há um corte de imagem. Na cena seguinte, aparece a velhinha dirigindo um trator e levando o avião embora para casa. (Para ver este e outros comerciais de aviação, acesse: http://br.youtube.com/watch?v=2jfSyzH5z2M - vale a pena!)



Que velhinha simpática! - Você impediria uma velhinha tão doce e meiga como essa de levar algumas “lembrancinhas de viagem” para casa?


Para anunciar seus diferenciais – poltronas mais espaçosas e classe única em todos os vôos – a Alaska Airlines pôs no ar dois comerciais muito interessantes. No primeiro, mostra um rapaz normal sentado numa poltrona do meio e sendo literalmente espremido por dois caras gordos e “espaçosos”. Corta. Por contraste, a cena seguinte mostra a cabine de um avião da empresa, com todos confortavelmente acomodados e bem servidos. O texto, claro, diz mais ou menos assim: – “Se você quer parar de sentir-se como uma sardinha, então venha voar com a gente, com todo o conforto e serviços que as outras não lhe dão”.

No segundo, a cena inicial mostra uma primeira classe nababesca; quando a cortina que separa a classe econômica é afastada, o que se vê é um compartimento tão espartano quanto um transporte de tropas. Então, corta para o interior de uma aeronave da empresa, com todo mundo muito bem instalado, enquanto o locutor diz algo como: – “Cansado de ser tratado como um ser inferior? Então voe com quem não faz distinção de classes. Venha voar com a gente”. Pena que, hoje em dia, a empresa adote procedimentos semelhantes aos que tanto criticava na concorrência.

Finalmente, um outro comercial (bem recente, aliás) que, na minha opinião, até extrapola em matéria de criatividade, Mas, é bom. Muito bom.
Em um apartamento de classe média, um jovem marido está se preparando para receber a esposa, que volta de uma visita aos pais. O rapaz se banha, se barbeia, se perfuma, mas não se veste. Nu, e com uma rosa entre os dentes, vai atender a campainha da porta, que está tocando. (No áudio, a música cria um clima, até o auge: o momento em que o rapaz abre a porta). Então ele se depara, não só com a esposa, mas também com os sogros! Em off, o locutor anuncia um desconto promocional para grupos familiares e pessoas da terceira idade. (Só não me perguntem o nome da empresa aérea. Sei apenas que era escandinava.)



Uma rosa é uma rosa, é uma rosa... Toda mulher adoraria chegar de viagem e encontrar o maridinho a postos para recebê-la (de preferência, com a rosa entre os dentes).


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28 de junho de 2008

A moda vai às alturas

Nos Estados Unidos, no início dos anos 60, a publicidade das empresas aéreas começou a utilizar também a criatividade das agências de propaganda para se destacar no mercado. Uma das campanhas mais famosas da época foi assinada pela Braniff, uma empresa aérea média americana que se tornou “grande” graças ao trabalho da sua agência de propaganda – Wells, Rich & Greene, cuja presidente, Mary Wells, acabou se casando com o Chairman da Braniff!

Baseada no Texas, a Braniff detonou uma verdadeira revolução no design das companhias de aviação, em 1965, transformando sua frota numa variada cartela de cores, externa e internamente, e contratando o estilista Emilio Gucci para desenhar os novos uniformes das suas comissárias de bordo. A ousadia caiu como uma bomba no mercado, fazendo um sucesso verdadeiramente estrondoso e sendo imediatamente copiada pela maioria das concorrentes – umas mais timidamente, outras mais atrevidas. A Southwest e a Transbrasil, por exemplo, não titubearam em adotar esquemas de cores muito próximos ao da Braniff na pintura de seus aviões e nos uniformes de suas aeromoças.




Colorindo os céus das Américas. Os coloridos aviões da Braniff mudaram a cara do céu – alguns pintados em tons suaves, outros em cores bem “cheguei”.

Mas a Braniff não ficou só na primeira iniciativa. Continuou inovando, inclusive na propaganda, veiculando comerciais de TV usando personalidades como o artista Andy Warhol, o boxeur Sonny Liston e ninguém menos que Salvador Dali! E, a certa altura, contratou o respeitadíssimo Alexander Calder para pintar algumas de suas aeronaves, embora o plano original, que era personalizar diversos aviões, tivesse de ser cancelado devido à morte de Calder. Mesmo assim, dois deles ficaram prontos e foram bastante utilizados: o “Flying Colors of South America” (um DC-8) e o “Flying Colors of United States” (um B-727).



Garotos-propaganda. Figuras das mais conhecidas, desde Salvador Dali até coelhinha da Playboy, foram usadas em apoio ao tema “quando chegar lá, exiba-se”.

Infelizmente, problemas econômicos decorrentes do crescimento excessivo e rápido em demasia, combinados com falhas administrativas, levaram a empresa à falência, deixando milhares de “órfãos” – empregados e passageiros – quando a Braniff parou de voar em maio de 1982.

Houve ainda diversos outros exemplos de boa propaganda, dentre os quais um outdoor da American Airlines, em que a imagem dominante era um trecho da fuselagem do avião onde se lia o nome da empresa. O título era “O melhor restaurante entre New York e Los Angeles.”; e, através das janelinhas, viam-se pessoas se alimentando.

Aqui no Brasil, exemplos clássicos da publicidade foram as campanhas para a Sadia (depois, Transbrasil) que, primeiro, fizeram do “patinho feio” Dart Herald um avião, digamos assim, aceitável. Depois, introduziram o conceito de wide body, usando o termo “Jatão” para definir um jato absolutamente comum, o BAC-111 – one-eleven.

Outras campanhas publicitárias que se destacaram foram assinadas pela Vasp, uma delas literal e conscientemente copiada da American Airlines – um sucesso! Tanto que, na seqüência, a Vasp pretendeu estender suas rotas para o exterior – o que, então, era privilégio da Varig.

A fim de preparar-se para esse novo status, a Vasp solicitou à Almap que criasse uma campanha que a conceituasse como a nova empresa aérea brasileira de nível internacional. A campanha foi criada pela dupla Zbigniew Campioni (diretor de arte) e Cláudio Correia (redator), mas foi toda desenvolvida em torno de um conceito proposto por mim: “Jeito brasileiro, padrão internacional”. Modéstia à parte.



Jeito brasileiro, padrão internacional (...e criação minha). Este anúncio deu início à campanha que contribuiu para que a Vasp obtivesse suas primeiras linhas internacionais permanentes.

Por falar em Vasp, é dela um exemplo de propaganda das mais inteligentes e persuasivas que eu conheço: as placas colocadas ao longo da Via Dutra, ilustradas por um avião Scandia da empresa e com a frase “Se você tivesse ido pela Vasp, já teria chegado há X horas”. Brilhante, a idéia (e olha que isso foi ainda nos anos 50)!

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21 de junho de 2008

As rainhas do rádio

Calma. Não é nada disso que você está pensando: embora a Emilinha, Marlene e companhia também façam parte das minhas lembranças de infância, não é delas que eu vou falar. O assunto aqui é propaganda, que é meu métier; e a publicidade das empresas áreas, que é o tema destes comentários.

E eu começo falando dos antológicos jingles da Varig – se você é jovem demais para lembrar de “Seu Cabral vinha navegando...”, “Urashima Taro” ou “Estrela matutina no céu azul...”, com certeza não vai deixar de reconhecer o bordão “Varig, Varig, Varig”, tão famoso e presente na mente das pessoas, que foi até usado por uma companhia aérea estrangeira para localizar seu escritório em São Paulo: “Na Galeria São Luiz, ao lado da Varig, Varig, Varig!”



''Navegar é preciso''... e deu no que deu! Seu Cabral vinha navegando, quando alguém logo foi gritando: Terra à vista! Foi descoberto o Brasil, e a turma cantava: bem-vindo seu Cabral!


Outra frase musical que permaneceu durante anos na cabeça de todos, foi uma adotada pela Cruzeiro do Sul que, a cada vez que anunciava a hora certa, também anunciava: “No ar, mais um Caravelle da Cruzeiro do Sul: a bordo tudo azul”.

Deixando as ondas do rádio de lado, também dá para apontar alguns sucessos na comunicação das empresas aéreas ao redor do mundo. A partir dos anos 30, percebendo que rapidez, apenas, não era argumento bastante para superar o receio das pessoas de “levantar vôo”, elas adotaram conforto e serviços (dir-se-ia, hoje, “mordomias”) como os grandes diferenciais a serem promovidos. E, em função disso, passaram a utilizar uma estratégia que, até hoje, continua sendo brilhante e funciona, inclusive, na comunicação de outros tipos de produtos: elas “vendem” tratamento de primeira classe a fim de vender assentos na classe econômica.

Desde os primórdios da aviação as companhias aéreas cuidaram de agregar valores aos serviços que ofereciam. Já nos anos vinte, surgiram os primeiros toaletes de bordo, decorrência de vôos cada vez mais longos e sem escalas. Logo, surgiram também os comissários de bordo, inicialmente rapazes e, em seguida, moças, para servir lanches e drinques, e dar assistência aos passageiros no caso de algum mal-estar ou enjôo.

Em 1930, William A. Patterson, assistente do presidente da Boeing Air Transport (precursora da United Airlines), decidiu aprovar a contratação de oito enfermeiras. E, no dia 15 de maio desse mesmo ano, um Boeing tri-motor decolou de Chicago com Ellen Church, a primeira aeromoça do mundo.



As oito 'Sky Girls' da Boeing - As pioneiras: Ellen Church, Margaret Arnott, Jessie Carter, Ellis Crawford, Harriet Fry, Alva Johnson, Inez Keller e Cornelia Peterman.


A princípio, as aeromoças usavam uniformes que lembravam os das enfermeiras, brancos ou em cores bem claras (o fato é que todas as oito atendentes originais eram enfermeiras diplomadas). Mas logo passaram a usar trajes com conotações levemente militares. O motivo dessa “militarização” foi o desagrado dos pilotos por ter que se responsabilizar por uma "fêmea civil desamparada". (Mas, em compensação, os passageiros adoraram a novidade). Para contornar a situação, as moças eram instruídas para tratar os pilotos como Oficiais Superiores, tendo que lhes prestar continência sempre que eles embarcavam ou desembarcavam dos aviões. Tal prática permaneceu até bem depois da segunda guerra, no máximo recorrendo-se a alguma corzinha suave nos uniformes para dar um toque um pouco mais feminino.

Até que, em 1965, mudou tudo!

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14 de junho de 2008

Tapetes Mágicos

São anteriores ao meu tempo (nasci no final da II Guerra, lembram?), mas, por tudo o que eu já li e vi em fotos, os hidroaviões foram verdadeiras “limusines aéreas”. Apesar de lentos (e um tanto barulhentos), ofereciam bastante espaço e conforto aos passageiros e, mais importante ainda, um serviço de bordo de primeiríssima categoria.




Lendo a descrição do Ken Follett, a gente tem a nítida sensação de estar participando da decolagem de um Boeing 314.


Em seu livro “Noite Sobre as Águas”, Ken Follett descreve uma travessia do Atlântico num Boeing 314, e nos proporciona excelente idéia das mordomias oferecidas aos passageiros dos chamados barcos voadores (flying boats).

Menino ainda (5, 6 anos) ouvia referências aos hidroaviões da Panair do Brasil que amerrizavam na Barra do (rio) Ceará. Em 24/1/1930, a empresa – então denominada Nyrba do Brasil – havia sido autorizada a estabelecer uma linha aérea ligando o Rio de Janeiro a Fortaleza com escalas em Campos, Vitória, Caravelas, Ilhéus, Salvador, Aracaju, Maceió, Recife e Natal, numa viagem de um dia e meio em cada sentido da rota, com pernoite em Salvador.

A Nyrba do Brasil era subsidiária da NYRBA Inc., empresa fundada em 1929 para cumprir a rota aérea entre New York, Rio e Buenos Aires – “12 dias, 12.000 milhas, $ 865, tudo incluído”, como anunciava um folheto da empresa (cujo nome, NYRBA, reunia as iniciais das três cidades; depois é que virou Pan American).

Em 1936, um folheto da Pan American Airways promovia seus Clippers informando: “Os passageiros podem andar livremente pelo corredor de 50 pés, passeando de cabine em cabine, ou dirigindo-se ao compartimento de fumar e estar. Construídos para rotas transoceânicas, esses enormes e rápidos barcos voadores, pesando 19 toneladas, são gigantes dos ares: seus quatro motores são mais poderosos do que uma locomotiva e suas dimensões são superiores às dos navios nos quais Colombo fez a travessia do Atlântico pela primeira vez. Cada um leva seis tripulantes: o Capitão e três oficiais de vôo; um comissário de bordo e um atendente de cabine, treinados para antecipar cada uma das suas necessidades e desejos. E mais um atendente especializado em servir de guia para você, tanto no ar como nas escalas em terra”.

Muito recentemente, fiquei sabendo que o primeiro “gigante dos ares”, o alemão Dornier Do-X, na sua primeira e única visita ao Brasil, em 1931, chegou ao país “via Camocim”, no litoral do Ceará. Alemão fabricado na Suíça, em 1929, o Do-X media impressionantes 40,5 metros, tinha nada menos do que doze motores em tandem (dois a dois, de costas um para o outro) e três conveses, sendo o inferior para combustível, depósitos e bagagens; o superior para a cabine de comando, escritórios de navegação, rádio controle e engenheiros de bordo, além dos alojamentos do capitão e dos 14 membros da tripulação; e o intermediário para os 66 passageiros, a quem eram oferecidas mordomias como 32 cabines duplas e duas individuais, além de tapetes persas e mesas para refeições guarnecidas com porcelana, cristais e pratarias.




Apesar de seus doze motores, o Do-X não conseguia elevar-se acima dos 3.200 metros, nem voar a mais de 210 km/hora.


Infelizmente, foram produzidos apenas três protótipos, dois dos quais vendidos à força aérea italiana, que os batizou de Umberto Maddalena e Alessandro Guidoni e pretendia usá-los em vôos de demonstração e prestígio; mas acabaram como transportes de tropas e logo foram desativados (1934). Os Do-X eram grandes consumidores de combustível, muito lentos e voavam à baixa altitude de apenas 3.200 metros (há até quem fale em ridículos 500 metros!), por isso nenhuma companhia aérea se interessou por eles (a Lufthansa chegou a adquirir um deles, mas o fracasso do vôo inaugural a fez desistir). Resultado: nunca voaram em uma rota comercial e o único sobrevivente virou peça de museu, na Alemanha; mas foi destruído durante um bombardeio, na II Grande Guerra.

Outros fabricantes, como as americanas Sikorksky, Martin e Boeing e a inglesa Short, também produziram grandes hidroaviões, não tão grandes, porém muito mais bem sucedidos que o Do-X. Nessa época em que, assim como os navios, os aviões eram batizados com nomes próprios, viajava-se com conforto e serviço de bordo de 1ª classe. Na verdade, o costume de dar nomes aos aviões permanece até os dias de hoje em algumas companhias (mas o conforto e o serviço a bordo... quanta diferença!).

Após a interrupção provocada pela guerra, os hidroaviões praticamente desaparecerem. Como saldo, sobrou o famoso ‘Catalina’, que, aqui no Brasil, ainda prestou muitos anos de serviços na região amazônica, voando “nas asas da Panair”.

No entanto, a guerra fez surgir novas aeronaves, como o C-47 (ou DC-3, apelidado de “jipe aéreo”), o DC-4 e o Constellation, quadrimotores que viriam a ser grandes astros na década de 50. O primeiro contribuiu enormemente para a disseminação das viagens aéreas. Os outros dois, ofereciam mais segurança e conforto em suas travessias. Ambos (DC-4 e Constellation) tiveram versões modernizadas, maiores, mais potentes, mais rápidas, e só foram superados com o surgimento dos turbo-hélices (Viscounts, Britannias e Electras) e dos jatos (Comet, Boeing 707 e DC-8).



Sem dúvida, o Constellation foi o avião mais bonito a cruzar os céus do planeta. Mantém uma legião de fãs (inclusive eu).


Apesar de toda a evolução e modernização, porém, as empresas aéreas não deixaram de preocupar-se com a qualidade de seus serviços de bordo – algumas mais, outras menos. Por exemplo, em fins dos anos 50 e meados dos anos 60, os vôos da Real (depois, da Varig) entre Rio-São Paulo e New York incluíam uma parada em Santo Domingo, República Dominicana, para almoço em um hotel de luxo. Mas, em 1972, num trecho entre Nice e Lisboa, voei pela Pan Am, ainda naquela época, paradigma das empresas aéreas americanas. O almoço servido (quente) foi um desenxabido cozido de músculo, provocando no passageiro à minha frente o seguinte comentário com seu vizinho de assento:

“– Esta porcaria nem se compara com o serviço de bordo de uma pequena empresa aérea sul-americana, chamada Varig”.

Estourei de orgulho: tive vontade de interferir na conversa e tecer loas ao magnífico serviço de bordo que eu havia desfrutado recentemente, no vôo entre o Rio e Londres, pela dita Varig. Mas me contive.

A verdade é que, já naquela época, começava-se a perceber uma queda na qualidade do atendimento da maioria das empresas aéreas. Em quase todos os vôos que fiz então dentro da Europa, por exemplo, o serviço de bordo foi, no máximo, sofrível. E, no vôo de Londres a Paris pela British European Airways (BEA), a aeromoça até “esqueceu” de trazer um copo com água que eu pedi para que minha mãe tomasse seu remédio!

No entanto, aqui no Brasil, a Varig e, depois, a Transbrasil mantinham um serviço de bordo bastante razoável. Por exemplo, no trecho entre Natal e Fortaleza, de pouco mais de 40 minutos, a Varig servia coquilles St. Jacques, acompanhadas de chopp gelado de verdade. Enquanto que a Transbrasil tinha um cardápio, variado e com opcionais, que às quartas e sábados incluía uma autêntica feijoada.

Isso, porém, durou pouco. À medida em que o número de passageiros foi aumentando, e o tempo de vôo e o preço das passagens diminuindo, caiu a qualidade dos serviços de bordo a ponto de, hoje em dia, resumir-se às pouco apreciadas e emblemáticas “barras de cereais”.

Mesmo antes disso, porém, a própria Transbrasil que, num determinado momento, fora sinônimo de excelência em serviço de bordo, deixou de, em alguns vôos, oferecer qualquer tipo de serviço, pretextando razões tão fúteis e inaceitáveis quanto turbulência (inexistente) ou falta de tempo (num trecho de uma hora de vôo!). Isso aconteceu comigo, primeiro, indo de Belo Horizonte a São Paulo em pleno horário do jantar. Depois, indo de Aracaju para Fortaleza, via Recife, quando não foi servida sequer uma barra de cereais! Certamente não por coincidência, ambos os vôos realizados em aviões da Transbrasil.

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7 de junho de 2008

Uma ponte não muito longe

Na minha família, detenho o curioso status de ser o único representante da faixa etária entre os meus irmãos (sendo 10 anos mais novo do que a mais nova acima de mim) e os meus sobrinhos (a mais velha dos quais é 10 anos mais nova do que eu). Durante certo tempo, na fase em que a sobrinhada saía da adolescência e entrava na idade adulta, isso motivou um relacionamento bastante agradável, em que servi, simultaneamente, de ponte e amortecedor entre as duas gerações.

Fui eu, por exemplo, quem presenteou uma sobrinha com seu primeiro biquíni, convencendo minha irmã para deixá-la usar. Acobertei paqueras e namoros de quase todos, e dei o primeiro carro a alguns deles.



Encontro no Cumbuco - Minhas estadas anuais em Fortaleza eram verdadeiras reuniões de família... sempre em volta de uma mesa “abastecida”.



Todos os anos havia duas grandes ocasiões de convívio familiar: em dezembro, nas festas, quando eu vinha de São Paulo e agitava o Natal e o Ano Novo da família inteira; e nas férias de julho, quando os sobrinhos trocavam o calor cearense pelo frio paulistano. Às vezes, iam três ou quatro e, uma vez, foram nada menos do que dez! Tive até de comprar um segundo carro, para que todos pudessem se deslocar ao mesmo tempo.

Mas o que marcou mesmo essa temporada foram dois acontecimentos, digamos assim, gastronômicos.

1º) Havia sido recém inaugurado, na avenida Faria Lima (em frente ao Iguatemi), o primeiro restaurante-buffet de São Paulo, onde se pagava por cabeça e comia-se à vontade. Como eu trabalhava lá perto, um dia levei um grupo de sobrinhos para almoçar no Aridino (era esse o nome). Na hora de pagar a conta, o proprietário recebeu o cheque, olhou para mim e disse: “Senhor Fernando, terei prazer em vê-lo de volta ao meu restaurante. Mas, pelo amor de Deus, não traga mais essa moçada, não, pois assim o senhor me leva à falência”. Claro que, do tamanho que foi o apetite da rapaziada, o moço tinha razões de sobra para temer o desastre.

2º) Na véspera deles virem embora, levei as “crianças” para um jantar de despedida, numa cantina rodízio em Santo Amaro chamada, se eu não me engano, “Roda Viva”. Encantados com o sistema de rodízio, a turma resolveu testá-lo, apostando para ver quem comia mais pedaços de pizza. Foi um escândalo. Eu, gordo do jeito que era, não agüentei mais do que 4 pedaços. O “vencedor”? Esse comeu nada menos do que 18 pedaços. O “vice”, comeu 17; e a “medalha de bronze” (uma mulher!) 14 pedaços. Felizmente, os caras da cantina entraram no clima e curtiram a comilança numa boa.

Em outra ocasião, um outro grupo de sobrinhos foi protagonista de uma historinha, no mínimo, bisonha. Eu morava numa chácara fora de São Paulo e emprestava meu carro para a garotada dar suas voltinhas. Um sábado, eles me disseram que estavam a fim de conhecer o Jardim Botânico. Expliquei-lhes o modo mais fácil de chegar lá: “Vocês vão pela Marginal do Tietê e, chegando na ponte da Casa Verde, fazem o retorno, atravessam o rio e depois pegam a avenida e seguem as placas indicativas”.
Um dos sobrinhos, que já havia morado na cidade, falou: “Pode deixar, tio, que eu conheço São Paulo. Não vai ter erro”. E lá se foram eles, logo de manhã cedo. Deu meio-dia, e eles não apareceram para almoçar. Duas, três, quatro horas da tarde, e nada de chegar alguém. Até que, já quase cinco horas, eles chegam cansados, famintos e decepcionados: “Tio, o senhor ensinou errado. Andamos a Marginal inteira, pra cima e pra baixo, e não vimos nenhuma casa verde perto de nenhuma ponte.”

Nota: Casa Verde é o nome de um bairro paulistano, ao qual se tem acesso por uma ponte que atravessa o rio Tietê, conhecida como ‘ponte da Casa Verde’. Sem maiores comentários.



Casa Verde, o bairro (clique sobre o mapa para ampliá-lo) - “Verde que te quero verde. Verde vento. Verdes ramas (...) Mas quem virá? E por onde...?” (Federico Garcia Lorca)


Outro “causo” digno de nota aconteceu quando duas jovens sobrinhas foram, pela primeira, vez a São Paulo em pleno mês de julho, bastante frio. Num sábado pela manhã, levei-as a uma galeria de lojas no centro da cidade (naquela época, ainda freqüentável), próximo à avenida São João. Lá pelas tantas começou a cair uma garoa fininha, que logo engrossou e em seguida transformou-se em chuva de granizo. Como eu sabia que elas nunca tinham visto o fenômeno, chamei a atenção delas para o que estava acontecendo: “Olha lá, meninas, tá chovendo gelo”. Ao que a mais nova retrucou: “Que nada, tio! Isto são os rapazes jogando pedras de gelo lá do alto dos prédios.” A ironia é que, hoje, ela mora na gelada Suíça.

E tem mais um. O Shopping Ibirapuera foi inaugurado com disposição para encarar o desafio de concorrer com o bem sucedido Iguatemi, o primeiro shopping da cidade (em todos os sentidos). Grande, repleto das mais variadas lojas, com amplo estacionamento coberto (então, grande ponto fraco do rival) e, além de elevadores e escadas rolantes, a novidade das novidades: portas automáticas, que se abriam à simples aproximação das pessoas – hoje banais mas, naquele tempo, um assombro. Claro que, também por isso, o Ibirapuera literalmente entrou no roteiro turístico de quem chegava a São Paulo. Meus sobrinhos, inclusive.

Novamente num sábado, lá fui eu, mostrar o novo e imponente templo de consumo a uma tropa de sobrinhos. Subi a rampa com o carro (primeiros Ohs!) e estacionei num dos andares de garagem. Pegamos o elevador e descemos para o nível das lojas. Quando nos aproximamos da porta de vidro e esta se abriu sozinha, o espanto foi grande, imenso! Uma das sobrinhas não se conteve e ficou pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, curtindo o abre e fecha “milagroso” da porta.
Cautelosamente, eu me afastei e fingi que não era comigo.

Um dos meus últimos ‘hóspedes’, filho caçula de uma das minhas irmãs, à falta de primos disponíveis, foi ao Rio com dois amigos assistir ao G.P. Brasil de Formula 1, esticando depois até São Paulo. Um dos rapazes tinha uma tia que morava em Copacabana e que não só os alojou como lhes emprestou o carro para um “rolé”. E lá se foram eles. A certa altura, resolveram fazer uma boquinha e, para isso, estacionaram próximo a uma lanchonete. Logo surgiu um guardador de carros (também conhecido como ‘flanelinha’) e se ofereceu para vigiar o veículo: “Depois o senhor paga um chopinho, né doutor?” Na hora de irem embora, o que estava ao volante pediu um chopp e lá se foi com ele na mão, levá-lo para o flanelinha. Por conta disso, ganhou o justo apelido de “Pé da Letra”. Até hoje é conhecido assim.

Mas, esse não foi o único “feito” do Pé da Letra nessa viagem. Quando foram para São Paulo, fui buscá-los na Rodoviária (a antiga, próxima à Estação da Luz). No caminho para casa, ao passarmos sob o primeiro viaduto, o Pé da Letra perguntou: “Esse é que é o Viaduto do Chá?”, ao que eu respondi: “Não; é o do Café”. A pergunta se repetiu ao longo de todo o trajeto e, a cada vez, eu respondia com o nome de uma bebida diferente: Leite, Guaraná, Coca-Cola, Limonada, e por aí foi. Demorou até o rapaz se tocar.

Tudo isso aconteceu já fazem vinte, trinta anos! Boa parte da moçada casou-se, teve filhos; alguns viraram sogros e, não demora, serão avós. Cada um tem sua própria vida para cuidar e não há mais tempo para a convivência, o entrosamento, as aventuras e descobertas em comum. Só o que não mudou são as recordações guardadas na memória, num baú cheio de histórias – umas divertidas, outras nem tanto, mas todas preciosas.

A mim – que não casei, não tive filhos, muito menos serei avô – resta o prazer de cavoucar o passado, como quem garimpa um sótão, e repartir meus achados com quem quiser saber deles.
Se alguém gostar, ótimo! Se não, melhor mudar de assunto.

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30 de maio de 2008

Classe é classe.

Houve época em que, dependendo da empresa aérea e do trecho voado, era bom negócio marcar os vôos para os horários de refeições; assim, ganhava-se tempo e economizava-se dinheiro. Hoje em dia, isso não mais é aconselhável. “Comida de avião” conquistou categoria própria no item alimentação ruim e virou sinônimo de comida requentada e sem gosto, combinações confusas e desbalanceadas, e quantidades ínfimas.
Não é raro que, a pretexto da possibilidade de turbulência, as empresas aéreas simplesmente deixem de servir qualquer coisa, a não ser água, café intragável e sucos artificiais. Drinques, então, nem pensar! Mas há exceções, quando há motivos. Além de algum (infeliz) acidente aéreo, que melhora instantaneamente o serviço de bordo da empresa envolvida, há outras razões para tanto.
Exemplo: indo de São Paulo para Aruba, aconteceu de sentar-me, ao contrário do que costumo fazer, na última fileira de poltronas do Airbus, junto à galley (nome que se dá às cozinhas dos aviões), separado dela apenas por uma cortina. Enquanto preparavam os carrinhos de serviço, os comissários, desmunhecadamente, falavam sobre os “bofes” lindos que estavam a bordo. Ao abrirem a cortina, e perceberem que eu escutara tudo, trataram de me “comprar” com doses e mais doses de uísque. Cheguei a Aruba quase bêbado.
Tudo isso diz respeito, somente, à classe econômica. Primeira Classe é outra história, da qual só conheço um pedacinho bem pequeno, suficiente apenas para tomar gosto e formar opinião. Em meados da década de oitenta, morando em São Paulo, tinha um acerto com uma agência de Fortaleza, para a qual vinha trabalhar dez, quinze dias por mês, todos os meses. Como eram eles que pagavam as passagens, eu não tinha dúvidas: cobria a diferença do próprio bolso, e voava de 1ª Classe.
As vantagens resumiam-se às poltronas, mais largas, e algumas regalias no embarque e desembarque. O serviço de bordo, propriamente dito, pouco se diferenciava, a não ser pelas louças e talheres de porcelana e metal, e pelos copos e taças de vidro. Na Varig, por exemplo – e ao contrário da TransBrasil – nem Scotch era servido, apenas uísque nacionalizado de qualidade um pouco melhor. Por maiores que sejam os benefícios da 1ª Classe (o destino da viagem é igual para todos), não compensam a grande diferença de preço cobrada. Mas, isto é apenas o consolo da razão. Pois o que vale mesmo é o status: é uma delícia você viajar na primeira classe enquanto os outros estão “lá atrás” (principalmente se houver conhecidos seus entre eles).

Agora, uma constatação (sob veemente protesto). Quem vai fazer uma excursão desacompanhado geralmente é “punido” com um acréscimo que chega a mais de 50% do preço do pacote. Antes não era assim. A menos que se fizesse questão de ficar só, as agências de viagem procuravam aproximar os “avulsos”, para formarem duplas e rachar os custos da hospedagem. Mas, parece que devido a alguns incidentes nesse tipo de parceria, hoje quem quiser gastar menos que trate de arranjar alguém para dividir as despesas. Se não conseguir, paga mais caro. Normalmente é o que acontece comigo. E, apesar de estar longe de ser candidato ao troféu Greta Garbo (I want to be alone), já me aconteceu até de fazer uma “excursão do eu sozinho”.
Foi assim. Precisava usar umas férias vencidas, e resolvi dar um giro pelo Nordeste. Vi no jornal um anúncio oferecendo Salvador, Maceió, Recife e Fortaleza numa mesma excursão de 19 dias, a preço razoável. Era a fome juntando-se à vontade de comer. Então, fiz o seguinte: como já havia morado na Bahia, tinha amigos lá, e dispunha de um mês livre, segui uma semana antes para Salvador, hospedei-me na casa de um colega e, no dia marcado, apresentei-me no Hotel da Bahia a fim de me juntar ao grupo da excursão. Quando fiz o check-in, por volta do meio dia, perguntei e me disseram que o pessoal ainda não havia chegado. Muito bem. Subi, instalei-me, desci para almoçar e voltei a perguntar na recepção. Sim, o vôo já tinha chegado, só que não tinha vindo mais ninguém para fazer a tal excursão, ou seja, a excursão era eu-próprio! Daí em diante, e durante quase três semanas, tornei-me um “anexo” de outras excursões, a fim de cumprir o roteiro anunciado e pelo qual havia pago: city-tour por Salvador e passeio de escuna na baía; ida à Praia do Francês e almoço num resort ao norte de Maceió; em Recife, city-tour (com Olinda), visita aos sítios históricos de Guararapes e um dia em João Pessoa.
Na Ilha de Itamaracá, a caminho de João Pessoa, visitamos um forte holandês e passamos por uma penitenciária dita modelo, onde adquiri uma peça de artesanato “para ajudar a recuperação dos detentos”. Depois, descobri que havia pago pela tal peça o dobro do que custava nas feirinhas do Recife!
Finalmente, chegando em Fortaleza, me desliguei da “excursão” para juntar-me à minha família. E aí já é outra estória.

25 de maio de 2008

Mais lembranças, novos lembretes

a. As pontes que dão acesso à Ilha de Manhattan cobram pedágio de entrada (todas) e de saída (pelo menos, algumas); e você, passageiro do taxi, é quem paga cash. Não se esqueça desse detalhe quando for planejar seus deslocamentos por New York e cercanias.



Pontes sobre o East River, em New York - Duas das muitas pontes que ligam a ilha de Manhattan ao continente. Em primeiro plano a Ponte do Brooklin, a mais famosa de todas.


b. Em New York, além de todas as cozinhas do mundo, também dá para provar a cozinha legitimamente americana, sem ketchup, fried chicken ou excesso de gordura, em restaurantes simples, honestos e simpáticos que a gente acha, por exemplo, em plena 7ª Avenida, perto da Broadway.

c. Em Miami, após se empanturrar de hambúrguer e macarronada, procure um restaurante cubano e mate a saudade do Brasil: lá você encontra arroz, feijão e, até, café-com-leite e pão-com-manteiga na chapa!

d. Em Buenos Aires é obrigatório jantar numa cantina em La Boca, comer um “bife de chorizo” na Avenida Costanera (à beira do Rio de La Plata) e “papas fritas”, as batatas fritas características da Argentina, em qualquer restaurante. Prove também o gostoso “blanco de pavita”, que nada mais é do que sanduíche de peito de peru. Mas não deixe de ir a locais mais refinados – como o Clark’s e o Swissair (se ainda existirem), ou algum outro de igual perfil – para degustar o melhor da cozinha francesa e internacional. O certo é fazer reserva antecipada.

e. Em Roma, depois de visitar o fascinante Panteão (hoje uma igreja) construído pelos romanos, com certeza vale a pena investir num almoço ao ar livre em plena Piazza Navona, junto ao Palazzo Pamphili (Embaixada do Brasil), em frente a uma maravilhosa fonte de Bernini.



Fonte de prazer estético e gastronômico - Embelezada por três magníficas fontes, a Piazza Navona também tem restaurantes ao ar livre onde se come muito bem.


f. Dica certeira: em qualquer lugar, restaurante cheio (principalmente de “nativos”) significa comida de qualidade superior ou preços abaixo da média; às vezes, as duas coisas juntas. Aproveite!

g. Outra dica gastronômico-financeira: em toda parte, os melhores lugares para se comer bem, com muita fartura e a bons preços, são os restaurantes italianos (exceto – no tocante aos itens fartura e preços – no Ceará e, por incrível que pareça, na própria Itália).

h. Se chegar em Colônia de trem, preste atenção: a sensação que se tem é que a composição vai bater de frente (melhor dizendo, atrás) na famosa e belíssima catedral gótica da cidade; mas, no último momento, o trem vira à direita e entra na estação ferroviária que fica logo ao lado da igreja.

i. Não deixe de ver a peça mais impressionante do Museu de Colônia: uma enorme foto aérea da cidade, inteiramente devastada pelos bombardeios da Segunda Guerra, só com a catedral de pé. Custa acreditar que os alemães reconstruíram a cidade inteira e detalhadamente, a ponto de não dar para perceber, hoje, o que é original e o que é reconstrução.




Colônia, depois do vendaval de bombas - Pelos detalhes, tem-se uma idéia dos estragos causados pelas bombas aliadas nas cidades alemãs. A foto inteira é ainda mais incrível.





j. Domingo, em Paris, vá dar um passeio pela enorme feira-livre próxima à estação La Bastille do Metro onde, além de encontrar os mais diferentes produtos de todas as origens e espécies, poderá interagir com os legítimos parisienses e sentir-se (quase) um deles. É empolgante e culturalmente enriquecedor.

k. Bom. Paris é como Roma: aonde você for, vai encontrar a História e ter surpresas agradáveis. Portanto, nas duas cidades, reserve pelo menos um dia (e um par de sapatos bem confortáveis) e saia caminhando à toa pelas ruas. Com certeza, não vai se arrepender; e, provavelmente, vai descobrir alguma coisa encantadora e inteiramente sua.

l. Já em New York, afora o circuito elegante (5th. Ave., Madison Ave. Broadway, Central Park – enorme! – e adjacências), o melhor jeito de se locomover é de taxi, abundante e em conta; ônibus, também serve, mas de metrô, depende do horário e da linha (indague). Alugar carro é furada; em Manhattan estacionamento é loteria.

m. Praticamente tudo que existe lá fora, inclusive lançamentos, também está à venda no Brasil. Sem que você tenha de sobrecarregar o peso ou avolumar a bagagem, sem carregar trambolhos pra cima e pra baixo, gastando em reais e podendo até parcelar (tanto a aquisição quanto o pagamento). Portanto, a menos que seu orçamento seja generoso e você faça questão de alardear que “trouxe tal coisa de tal lugar”, use sua moeda forte para passear, comer bem, divertir-se à vontade, enfim, fazer o que só pode ser feito lá mesmo, nos lugares onde você for.

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21 de maio de 2008

Afinal, pra que é que serve afinal?

Se ainda estiver certo o que eu aprendi na escola, “afinal” é uma locução adverbial usada para concluir uma argumentação ou linha de raciocínio. Mas, hoje em dia, para a maioria dos redatores de propaganda “afinal” é só uma palavrinha que se usa para arrematar o aglomerado de frases, mais ou menos desconexas, que recebe o pomposo nome de texto publicitário.
Basta a gente se dar ao trabalho de ler os anúncios publicados em revistas e jornais para encontrar “afinal” gratuitamente intrometido na maioria dos textos. E, o que é pior, a tal palavrinha também se infiltrou nos exíguos 30” de locução dos comerciais de TV. Tenho mesmo a impressão de que a gente ouve, pelo menos, um “afinal” (se não, mais) a cada intervalo da programação.
Claro – e graças a Deus – que existem as exceções. Poucas, mas boas. E sempre que me deparo com alguma delas, sinto ainda mais saudade dos “bons tempos”.
Tive o privilégio de conhecer e conviver profissionalmente com gente como Roberto Duailibi, Neil Ferreira, Rui Agnelli, Laerth Pedrosa, Boris Fetchir, Ênio Basílio Rodrigues, Plínio Telles, e tantos outros. Também sou contemporâneo de outros grandes nomes da redação publicitária deste país: Sérgio “Arapuã” Andrade, Carlos Wagner Morais, José Fontoura da Costa, Washington Olivetto, Sérgio Toni – a lista é bem mais extensa. Cada um deles, autor de textos memoráveis, convincentes, argumentativos e, posso assegurar, sem o hoje indefectível “afinal” no final.
Parece-me que, em nome da “criatividade”, os profissionais de propaganda estão esquecendo que a principal função de uma peça publicitária é vender – pois um anúncio, um comercial, um folheto, não faz nada além de representar o vendedor “ao vivo”. E, para vender, primeiro é preciso seduzir. Pois eu duvido muito que, lendo em voz alta os balbucios e incoerências escritas na maioria dos textos, algum vendedor consiga vender seja lá o que for para quem quer que seja.
Constato, com tristeza e preocupação, que o tatibitate e ausência de fluidez da maior parte dos textos publicitários é conseqüência direta da absoluta falta de leitura dos jovens redatores. Se você perguntar, a qualquer um deles, qual o último lançamento do cantor ou conjunto mais avançado e moderninho, levantar assuntos relacionados com cinema experimental e clips na MTV, eles se mostrarão super antenados; e farão você sentir-se por fora dos acontecimentos. Mas se você aprofundar o papo, abordar o assunto Literatura (ou um tema qualquer do conhecimento enciclopédico), buscar e questionar sobre as origens dos comos e dos porquês de certas manifestações culturais, vai se deparar com uma barreira de desconhecimento, para não dizer total ignorância.
Não faz muito tempo, por exemplo, fiquei sabendo pelo professor de um respeitado curso de comunicação que seus alunos não faziam a menor idéia de quem foi Tom Jobim. Imagine o resto! O fato é que, via de regra, sequer sabem o quê buscar ou como achar algo na Internet.
Mas, para eles, isso não tem importância.
Afinal, se encontram emprego, ganham dinheiro e desfrutam a fama, apesar dessas lacunas de conhecimento, para que vão se preocupar com o conteúdo de seus textos?

18 de maio de 2008

Lembranças & lembretes

Estas anotações nem de longe têm a pretensão de servir como guia de viagem para alguém. Querem ser, apenas, um relato bem humorado de alguns acidentes de percurso nos quais me envolvi. No máximo, podem fornecer dicas e macetes úteis para os menos experientes ou para os mais desligados.

Por exemplo:

1. Conhecer uma cidade tem muito a ver com a localização e o tipo de hotel onde se fica. Em hotéis de luxo e/ou bem localizados, sempre se tem à mão todas as mordomias e serviços disponíveis – como roteiros e excursões, reservas de mesas e ingressos etc.; em hotéis mais simples e locais menos badalados, as ofertas e possibilidades são mais limitadas. Convém não esquecer, porém, que hotel é apenas um “pouso”: local para dormir, tomar banho e trocar de roupa. É mais compensador gastar em passeios e refeições do que com hospedagem.

2. Outra coisa. Assim como é desagradável você, viajando com boas malas e um bom guarda-roupa, hospedar-se em um hotel de categoria inferior, o vice-versa também é desconfortável: imagine-se hospedado num hotel de alto luxo, sem trajes e, principalmente, sem bolso que lhe permita usufruir despreocupadamente de todas as mordomias e ambientes.

3.
Pegar ônibus urbanos, sem destino certo, costuma ser um excelente modo de se conhecer segura e razoavelmente bem uma cidade. Primeiro, porque eles andam devagar e parando amiúde (dá até para ler os nomes nas placas de ruas); depois, porque você entra em contato direto com a população do local; e, ainda, porque raramente há o risco de se perder: o ônibus que vai, volta, quase sempre, pelo mesmo caminho ou passa próximo de onde você o apanhou. Cuidado, porém, para não repetir o erro que eu cometi em Miami; não reparei que havia um “S” a mais no número da linha e, na volta, peguei um ônibus cujo trajeto era inteiramente diferente da ida. Foi um sufoco! Fora isso, apenas fique atento para avisos como Vietato fumare e Vietato altercare (existentes, juro, nos ônibus de Roma). Pois, “em Roma, como os romanos”.



Ônibus napolitano - Foi num ônibus como este que aconteceu o impagável incidente que eu chamo de “o confronto das zias”.


Numa rápida passagem por Nápoles, sem tempo sequer para fazer um city-tour, tomei o meu próprio remédio: peguei um ônibus e fui passear. Estranhei que, naquele horário, 10 horas da manhã, o ponto final na Praça da Estação estivesse vazio. Estava assim porque, lá, umas guias de cano obrigavam as pessoas a formar fila; mas, na primeira parada, uns 80 metros depois, e sem fila, houve uma verdadeira invasão! Eu estava sentado bem na frente, logo atrás do motorista, e apreciei tudo de camarote. Mais adiante, uma matrona gorda e cheia de sacolas fez sinal para descer e o ônibus parou. Ela tentou passar entre outras duas, mas não conseguiu, porque estas não arredaram pé. Forçou a passagem e, aí, aconteceu o impasse: ela entalou entre as “rivais” e as três começaram a discutir. Os ânimos ficaram tão exaltados que o motorista levantou-se e foi pessoalmente separar as querelantes, no que contou com os palpites, entusiasmados, dos demais passageiros. Só não dei boas gargalhadas na hora porque, do jeito que as zias estavam bravas, corria o sério risco de levar um belo pescoção!

4. Por mais limitado que seja o seu orçamento, reserve algum dinheiro para provar, pelo menos, a “especialidade da casa”. Em Roma, por exemplo, a Saltimbocca; em Marselha, a Bouillabasse; e por aí vai. (A propósito de especialidades: antes de ir à França, sugiro ler primeiro “Asterix, o Gaulês, em Uma Volta Pela Gália”; além de instrutivo, o livro é extremamente divertido, um ótimo passatempo para as horas mortas do dia). Ou, então, almoce em lugares como o restaurante giratório da Torre dos Correios, em Londres, o Terraço Itália, em São Paulo e o alto da Torre Eiffel (sabe onde?), em que o espetáculo visual compensa não só o custo como, até, eventuais falhas da cozinha.



Saltimbocca alla Romana - A original é feita com vitela; há também a light (de frango) e a hard (de porco). Todas, verdadeiramente deliciosas.


5. Mesmo que você tenha embarcado com todos os vôos e demais trajetos reservados, não custa nada, ao chegar num lugar, dar uma confirmada sobre a etapa seguinte. Isto pode evitar constrangimentos e decepções, além de desfazer confusões. Uma vez, voltando para o Brasil via Paris, pela Air France, informaram-me na loja de Roma (penúltima etapa) que a minha reserva Paris-São Paulo havia sido cancelada; providenciei nova reserva, saindo de Paris à noite, ao invés de pela manhã, como era antes. Mas, ao chegar em Paris, fiquei sabendo que as duas reservas estavam valendo, e eu só precisava escolher qual delas usar. Já de outra vez, na Holanda, eu tinha um vôo marcado Amsterdam-Frankfurt e, quando fui re-confirmar, descobri que eu havia sido transferido, à revelia, para um vôo com destino a Munique (a desculpa: estava havendo uma Feira não-sei-do-que em Frankfurt e os hotéis estavam todos lotados; como eu não tinha reserva de hotel...). Eficiência germânica é isso aí.

6. Caso viaje usando algum passe de trem (Eurailpass ou outro do gênero), verifique cuidadosamente para quais países ele é válido; pois, se você entrar num país não incluído no passe, mesmo que saia em seguida e no mesmo trem, vão lhe cobrar a diferença – em dólares (euros, agora) – e bastante caro.

7. A Itália é linda, maravilhosa! Os italianos são simpáticos e cordiais; mas, também, grandes pilantras. Em Nápoles, para me convencer de que o zircônio de um anel era diamante verdadeiro, um ragazzo não teve o menor pudor em riscar o pára-brisa de um carro estacionado. Já em Veneza, apesar de haver contratado (e pago adiantado) um barco-taxi para me levar do hotel ao aeroporto, fui descaradamente largado no terminal de ônibus, sem sequer um pedido de desculpa, muito menos reembolso! Portanto, fique esperto!

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11 de maio de 2008

Cabeça nas Nuvens

Quando eu morava em São Paulo, todo ano, religiosamente, passava o Natal e Ano Novo em Fortaleza, com minha mãe e a família. Como tinha (e ainda tenho) medo de pousos e decolagens, tentava sempre obter lugar num vôo que fazia escala apenas em Recife.

Certa vez, no saguão de Congonhas, encontrei um velho conhecido cearense com quem comecei a conversar. Como íamos ambos para Fortaleza, e pela Varig, na hora do embarque nos encaminhamos juntos para o avião. Só a bordo, em pleno ar, é que fiquei sabendo que aquele era o avião “dele” e faria escalas também no Rio e em Salvador! Nem eu, nem o conferencista de vôo, nem a comissária de bordo, tínhamos nos apercebido do engano. Por sorte, os dois vôos se reencontraram em Recife e o problema foi automática e naturalmente corrigido.

Noutra ocasião, como o Natal e o Ano Novo caíam na quarta-feira, a agência resolveu escalar plantões: metade da criação trabalharia no Natal, a outra metade no Ano Novo. Optei por folgar no Natal e marquei meu vôo de volta para o dia 29, um domingo. A família insistiu para que eu ficasse, mas, muito “cdf”, fui embora. Na segunda-feira, lá estava eu, a postos, com mais dois ou três colegas. Fomos almoçar e, na volta, encontramos um memorando em cima das nossas mesas, dispensando-nos do resto do plantão! Fiz de tudo, mas não consegui lugar para voltar a Fortaleza. Foi o Reveillon mais chocho da minha vida.

Ano novo à moda da casa - vistos da janela da cozinha do apartamento, os mais belos fogos de artifícios perdem toda a graça.



Na época em que trabalhei na Hot Shop – uma agência pequena, efêmera, porém inesquecível! – tínhamos como cliente uma construtora cuja sede era em Ribeirão Preto, a uns 500 km de São Paulo. Eu e o Pierre Rousselet (diretor de arte) fomos lá, de taxi aéreo, apresentar a primeira campanha. Saímos cedo de São Paulo, fizemos um vôo tranqüilo e chegamos antes das 9 da manhã. Na época era moda, principalmente entre publicitários, roupas “cheguei” – amarelo-fralda, rosa-choque, verde-limão, etc. – e eu estava vestido up-to-date, com uma calça boca-de-sino cor-de-rosa e uma camisa bem estampada. Mas, ao desembarcar do pequeno Cessna, os fundos da calça descosturaram de alto a baixo! Saí pelo comércio de Ribeirão procurando calça que coubesse em mim (que, na ocasião, pesava mais de 100 quilos): encontrei só uma, listrada de azul, que não tinha a ver com nada. Paguei um belo mico.

De outra vez, fui lá com o diretor financeiro da agência; ele para resolver assuntos da sua área, eu para tratar de criação e mídia. Então já havia um vôo da Vasp, num Bandeirante, que durava cerca de uma hora, hora e pouco. Na ida, tudo bem. Mas, na volta...

Estávamos em pleno verão quando, à tarde, acontecem umas tais de “turbulências invisíveis”. E assim aconteceu: o diabo do aviãozinho, voando baixo (a cabine não era pressurizada), sacolejava pra tudo quanto era lado, até para cima! Fui entrando em pânico, cada vez mais, e só não dei vexame completo porque um outro passageiro se encarregou disso por mim, gritando “Pára, que eu quero descer, cadê minha mãe, sou muito novo para morrer” e outros apelos do gênero. Foi constrangedor mas, ao mesmo tempo, divertido. E serviu para relaxar a tensão de todos a bordo, inclusive a minha.

Em uma outra viagem, para gáudio geral dos passageiros, o constrangimento ficou por conta da tripulação. Num vôo cansativo de São Paulo a Fortaleza, com escalas no Rio, Salvador, Recife e Natal, a última etapa foi cumprida já depois da meia-noite. Iniciado o procedimento de pouso no Aeroporto Pinto Martins, o chefe dos comissários disse todo aquele palavreado habitual pelos alto-falantes. Acontece que, após encerrar seu bla-bla-bla, esqueceu de desligar o intercomunicador e soltou a franga: “Bicha, ainda bem que chegamos. Estou moooortaa!”.

Num vôo inverso, de Fortaleza a São Paulo, sentei-me, como gosto, numa das primeiras fileiras, no corredor. Em Recife, subiu uma senhora transportada nos braços por enfermeiros e acompanhada por um rapaz bastante solícito. Sentaram na mesma fileira que eu, do outro lado: ela na janela, ele no meio, outra passageira no corredor. Até o Rio, ele não fez nada além de beber; nem sequer quis jantar. Mas quando estávamos em procedimento de pouso no Galeão, com o cinto devidamente afivelado, aconteceu. O rapaz sentiu-se mal, não conseguiu sair para o corredor, e voltou-se para a janela, que vomitou de alto a baixo, sobrando inclusive para a passageira doente. Com o avião já quase pousando, foi preciso o comissário sentar-se na fileira de trás (ainda bem que havia um lugar) e segurar o rapaz para que ele não se machucasse.

A senhora doente desembarcou no Rio e, aí, descobrimos que o rapaz não tinha nada a ver com ela: seguia para São Paulo. Como ele estava bêbado, o chefe dos comissários tentou convencê-lo a descer para ser cuidado. Ele, porém, recusava veementemente, e começou a se exaltar. A certa altura, alguém lá de trás soltou uma piada qualquer, ao que ele reagiu levantando-se e ameaçando “enfiar a peixeira” em quem se metesse a engraçadinho. Risada geral.

Enquanto isso, o tempo estava passando e nosso atraso em terra já era superior a uma hora. Aí, o comissário-chefe teve uma idéia brilhante. Falou para o cara: “Você sabe que eu sou o chefe dos comissários, certo? E que o avião não pode levantar vôo sem mim, certo? Então façamos o seguinte: eu desço com você, a gente dá umas voltas na pista até você melhorar e, então, vamos embora pra São Paulo, O.K.?”.
O.K. O que ele não sabia é que tinha havido troca de tripulação. Foi só os dois se afastarem uns 10 metros do avião, o Comandante recolheu a escada, fechou a porta, ligou os motores e se mandou céu afora. Imagino a barra que o pobre comissário teve que enfrentar!

Quando fui de Salvador a Belo Horizonte, para conversar com a agência que estava me chamando, peguei um vôo da Vasp no qual serviram uma salada, digamos assim, problemática, que me proporcionou um final de semana de rei, ou seja, o tempo inteiro sentado no trono. (Apesar disso, deu para fechar negócio com a agência e, assim, com as bênçãos de Tia Suzana, mudei de Estado pela sexta vez!)

Enquanto morei em Belo Horizonte (diz-se Bê-Agá, em mineirês), vivi num vai-e-vem que chegou ao exagero! Tinha semana, por exemplo, que eu ia ao Rio duas, três vezes, voltando no mesmo dia. Já era até conhecido das moçoilas que atendiam nos balcões das companhias aéreas, da mesma forma que era manjado pelos taxistas. Alguns, por saber que eu morava próximo ao Aeroporto da Pampulha, achavam ruim fazer uma corrida que, além de baratinha, ainda lhes tirava a possibilidade de pegar uma outra maior e bem mais lucrativa. Pois é, uai!

Depois que me mudei para Brasília, as viagens de trabalho diminuíram (fui só uma vez ao Rio e outra vez a São Paulo). Em compensação, foi bastante instrutivo observar o procedimento das secretárias sempre que alguém da agência precisava viajar e, como de costume, se atrasava. Na maior cara dura, uma delas ligava para o aeroporto e pedia para “segurar o vôo xis só um pouquinho, pois o deputado já estava a caminho”. O truque era infalível: tinha sempre um Deputado (atrasado) na lista de passageiros. Não lembro de ninguém da agência que tenha deixado de viajar por haver perdido o vôo.



Painel de embarque do Aeroporto de Brasília - para Deputados e Senadores, o painel de embarque do aeroporto de Brasília dá mais ‘Ibope’ que os painéis de votações do Congresso.

4 de maio de 2008

Idas & Vindas

Para mim, que tenho vocação para Judeu Errante, até viagem de trabalho é válida e merece registro. Principalmente quando acontecem coisas inesperadas ou inusitadas, como na minha ida a Formosa do Rio Preto, a 900 km de Salvador-BA.

Em 1982, trabalhava para uma agência de propaganda que atendia à Telebahia, que estava acabando de instalar telefonia na última sede de município do Estado a receber tal benefício. Para anunciar isto, o cliente exigiu que o criador da campanha – no caso, eu – fosse verificar as condições in loco.

Siga o roteiro de viagem mais esdrúxulo que eu já fiz (indo ao extremo sul para chegar ao noroeste). Clique no mapa pra ampliá-lo.


Portanto, lá fui um belo dia, ainda de madrugada, pegar um Bandeirante da Nordeste Linhas Aéreas, que me levaria até Barreiras (onde ficava a pista de pouso mais próxima) para, de lá, seguir por terra até Formosa do Rio Preto, a uns 40 quilômetros.

Para início de conversa, o avião taxiou até a cabeceira da pista, acelerou os motores, desacelerou e voltou para o pátio de estacionamento. Motivo: “devido a problemas técnicos, haveria troca de aeronave”. Assim, trocamos seis por meia dúzia – ou seja, um Bandeirante por outro –, e alçamos vôo rumo ao sul. (Detalhe: Formosa do Rio Preto fica no extremo noroeste da Bahia, na divisa com o Piauí.) Nosso primeiro destino era Ilhéus, depois Porto Seguro; então atravessaríamos a Bahia na diagonal e chegaríamos a Barreiras via Jequié e Bom Jesus da Lapa.

O trecho até Ilhéus foi quase “executivo”: a maioria dos passageiros era de negociantes, fazendeiros, turistas, estudantes, pessoas assim. De Ilhéus a Porto Seguro, o nível baixou um pouco, com gente vestida mais simplesmente (alguns de sandália havaiana, o que na época definitivamente não era in).

Foi a partir de Jequié que a coisa virou folclore: primeiro, embarcaram algumas galinhas e uma cabra “pessoalmente”; depois, um caixão de defunto com um morto dentro! E mais um detalhe: antes de decolar, o avião precisou acelerar para afugentar os bois pastando na pista.

A viagem prosseguiu sem maiores sobressaltos e desembarquei em Barreiras por volta de 1 hora da tarde. Fui para um hotel (com ar condicionado, graças a Deus!), instalei-me e em seguida saí para achar quem me levasse até Formosa. A intenção era ir naquela mesma tarde (só 40 quilômetros, vai-se e volta-se ligeirinho), mas todos os taxistas com quem falei me aconselharam a ir apenas no dia seguinte, bem cedo, sob a alegação de que a estrada “estava meio ruim”.

Meio ruim? Bota ruim nisso!

Formosa do Rio Preto, em si, repete o padrão nordestino: uma ponte sobre um rio barrento e meio seco, algumas casas, a Igreja, uma escola e um “bar e sorveteria” (provavelmente, o point noturno da cidade), além da enorme e anacrônica torre da Telebahia. Visto isso, pegamos novamente a estrada: quase oito horas de ida-e-volta, driblando uma buraqueira de assustar jumento! Mas, como havíamos saído de fato muito cedo, chegamos de volta a Barreiras ainda dia claro, a tempo de eu fazer um tour pela cidade.

Passando pelo Mercado Municipal notei, no outro lado da rua, uma portinha com uma placa indicando ser o escritório local da Nordeste Linhas Aéreas. Resolvi confirmar o horário do meu vôo, marcado para as duas horas da tarde do dia seguinte. Quando entrei e indaguei a respeito, estabeleceu-se o seguinte diálogo:

- O senhor é que é “seu” Fernando?
- Sou. Como é que você sabe meu nome?
- É que o senhor é o único passageiro, e eu acabei de ‘receber um rádio’ perguntando se o avião precisava mesmo vir lhe buscar...


Respondi que sim, e saí para contratar um táxi que me levasse ao “aeroporto” – um complexo de 16 pistas (bem longe da cidade), construídas pelos americanos no tempo da Segunda Guerra. Mesmo sabendo que não chegaria ninguém para pegar o táxi na volta, tive a cara de pau de negociar o preço com o pobre do taxista. Penitencio-me agora.

Meu castigo foi enfrentar a cara feia, primeiro, da tripulação e, depois, dos outros passageiros, embarcados em Bom Jesus da Lapa, que precisaram esperar o avião ir e voltar de Barreiras, ao invés de seguir direto para Salvador, como teria acontecido se não fosse por mim.

Cerca de um ano antes dessa instrutiva experiência, livrei-me de uma pior. Estava em São Paulo, acompanhando uma filmagem, e havia marcado a volta num vôo noturno da Vasp. Por algum motivo (nem me lembro mais qual), transferi o vôo para o dia, ou melhor, a noite seguinte. Dá, pois, para imaginar o tamanho do meu susto quando fiquei sabendo, logo pela manhã, que o avião no qual deveria ter viajado havia batido num “serrote” em Pacatuba, perto de Fortaleza, matando todo mundo!

Apesar de temeroso, tive de voltar no vôo do dia seguinte. Como sempre acontece após um acidente desse porte, o serviço de bordo melhorara incrivelmente. Na verdade, os vôos noturnos, por serem mais baratos, nem serviço de bordo tinham. Mas, nesse, teve jantar de verdade e bebidas à vontade. Na chegada, lembro-me de haver encontrado, no aeroporto, uma pessoa conhecida que se ofereceu para levar-me em casa. Como já eram quase três da manhã, e eu morava muito fora de mão, agradeci mas preferi ir de táxi. É a última coisa de que me lembro.

Ao acordar no dia seguinte, ainda meio zonzo, não consegui achar minha bagagem. Pensei haver sido roubado pelo taxista e me dispus a ir dar queixa na delegacia. Mas, quando abri a porta para chamar a empregada e pedir um café, dei de cara com as malas intactas, bem ao lado da piscina. Mais uma vez, o anjo da guarda dos bêbados mostrou o quanto é eficiente.

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30 de abril de 2008

O xis da questão.

George Bernard Shaw, um dos maiores escritores ingleses, costumava criticar a falta de parâmetros para a pronúncia da língua inglesa, dando como exemplo a palavra fish (peixe), que pode ser grafada ghoti, de acordo com a seguinte "cartilha": "gh" como em "cough"; "o" como em "women"; "ti" como em "nation".
Em português, via de regra, as armadilhas acontecem na escrita, em função da analogia de sons. Não raro, a gente comete o pecado de grafar de maneira semelhante palavras com pronúncias iguais, embora suas etimologias sejam diferentes, como em: extrato e estrato; conselho e concelho; pretensão e intenção; avançado e cansado; mencionar e dimensionar; trança e transa; massa e maça – apenas para citar alguns casos.
O xis, porém, é um caso à parte. Até onde é do meu conhecimento, não existe outra letra do nosso alfabeto que apresente tamanha variedade de pronúncias. Pois, de acordo com a palavra, o xis pode ser lido como:
ch (ameixa, enxame, faixa, taxa, lixo, xadrez);
c (exceto, excelente, excelsior, excitado);
ks (fixo, nexo, táxi, fênix, sexo, látex);
ss (máximo, próximo);
s (extintor, exclamar, exportar, extraditar, explícito):
z (exame, exato, exército, exagero, exímio).
O xis ainda se dá ao luxo de ter nomes próprios, por exemplo, quando representa o sinal da multiplicação (2 vezes 2) em matemática e quando usado como símbolo de oposição (Hillary versus Obama) nos embates da vida. Ou seja, definitivamente, o xis não é uma letrinha xendengue qualquer. Pode até ser desleixada quanto à própria pronúncia mas, em compensação, exige de nós o máximo de cuidado na hora de escrever as palavras nas quais se expõe.
O jeito ortodoxo de se obter uma boa margem de segurança na grafia – não só de palavras que tenham xis, de quaisquer palavras – é, sem dúvida, ler bastante e com freqüência. Bons livros, principalmente, mas também jornais, revistas, todo tipo de leitura. Com o mínimo de esforço, a gente vai assimilando o jeito correto de se expressar na língua portuguesa – sem maiores riscos gramaticais, sem se expor ao ridículo e sem exaurir a paciência. Portanto, o xis da questão é um só: ler, ler, ler. Seja didática ou divertida, sobre assuntos sérios ou simples amenidades, toda leitura contribui para fazer do leitor um exímio escrevente. Ler este texto até aqui já foi um excelente começo. Continue e volte sempre. Até nosso próximo encontro.

27 de abril de 2008

Rumo a “Traumländer”

Peguei o TGV (Train à Grand Vitesse) e segui para Genebra, na Suíça, a 300 km por hora. Novíssimo, poltronas espaçosas e confortáveis, serviço de bordo (pago à parte) esmerado. Já próximo a Genebra, e em velocidade bem mais reduzida, contornamos os imensos paredões dos Alpes, acompanhando a torrente de um rio que deságua no Lac Léman. Uma belíssima viagem.


Em geral, um TGV viaja a cerca de 300 km/h. Mas, em certos trechos, pode chegar perto dos 600 km/h.

Genebra também é uma beleza. Ampla, agradável, limpa (claro), cordial, nem parece uma cidade verdadeiramente suíça. Mas é. Embora cosmopolita e profundamente influenciada pela cultura francesa (a língua local, inclusive, é o francês), Genebra adota os padrões políticos e sociais helvéticos e segue costumes religiosos, nascidos lá mesmo, difundidos por pregadores do porte de um Calvino.

O Lac Léman está para Genebra assim como o Central Park para Nova York. E, nele, o jato d’água faz as vezes de uma Torre Eiffel.

O bonito lago de Genebra, margeado por casas luxuosas e pequenas localidades, apresenta ainda um diferencial característico: um potente jato de água que jorra verticalmente até 150 metros de altura. A cidade é uma das sedes européias das Nações Unidas e um centro estudantil muito procurado. Nela, encontra-se de tudo; e, nos seus arredores, mansões e condomínios fechados dos ricos e famosos de todas as origens: gregos e troianos, judeus e sauditas (principalmente).

A viagem de Genebra a Zürich é rápida, questão de algumas horas apenas. O trem não é mais o TGV, mas é igualmente confortável. Acho legal viajar de trem. Primeiro, porque a gente tem espaço à vontade para levantar e esticar as pernas; depois, porque é um jeito de se ver o interior dos países (coisa que, de avião, é impossível); também porque as paisagens estão logo ali, do lado de fora da janela; finalmente porque, ao contrário dos aeroportos, as estações ficam bem no centro das cidades, o que facilita e barateia o deslocamento até nosso destino final (hotéis etc.).

Assim é também em Zürich, onde (melhor ainda) uma sobrinha mora com o marido e estava à minha espera junto com o filho mais novo. Portanto, esta minha segunda estadia em Zürich foi “familiar”, o que modificou inteiramente a feição da cidade. Por conta disso, visitei cidadezinhas próximas, fiz compras em liquidações, fiquei íntimo dos bondes, e até andei de roda gigante – coisa que não fazia há anos!

Com muita pena, despedi-me e continuei viagem, indo agora da Suíça para a Áustria, e atravessando os Alpes pelo (então) túnel ferroviário mais longo do mundo, título que hoje pertence ao túnel sob o canal da Mancha.

Fazia uma idéia diferente de Viena. Minha expectativa é que ela fosse mais parecida com Paris do que realmente é. Mas não deixa de ser uma bela cidade, embora o povo não seja muito simpático, até pelo contrário. Aliás, melhor fazer justiça: quem, de fato, parece um tanto arrogante é o pessoal do receptivo turístico, que nem desconfia do que seja “jogo de cintura”. O povo, mesmo, deve ser outro departamento.

Dito isto, vamos passear.

Quer ver ouro, muito ouro? Visite os museus do Hofburg, o antigo palácio imperial. Quer conhecer o rival de Versailles, igualmente deslumbrante, embora um pouco menos pomposo? Não deixe de ir a Schönbrunn. Quer saber o verdadeiro significado da palavra Belvedere? Veja os palácios do Príncipe de Savoya. Quer ser íntimo de Beethoven, Schubert, Mozart, Strauss? Vá à Ópera. Quer sentir-se a caminho do céu? Reze uma oração na Catedral de Saint Stephen. Não esqueça, porém, de visitar também a Escola de Equitação Espanhola, brincar no parque Prater, navegar no rio Danúbio, subir as colinas do Grinzing (onde ainda há Bosques de Viena), e curtir o mundo de outras atrações que a cidade tem para lhe oferecer, inclusive sua ótima cozinha. Fora os locais próximos. E, para os mais dispostos ou que tenham mais tempo, há ainda a possibilidade de esticar até Praga e Budapest (um dia inteiro de ida-e-volta para cada uma).

Praga e Budapest, porém, ficaram (quem sabe?) para a próxima e eu tomei o trem para Colônia (a própria, a da água perfumada), na Alemanha. Meu interesse maior, na verdade, era a famosa e belíssima catedral gótica, iniciada no século XIII (1248) e construída ao longo de 600 anos. Mas bem que Colônia revelou-se acima do esperado: simpática, culturalmente agitada, bastante moderna sob alguns aspectos; enfim, valeu a visita. E, ainda, contribuiu generosamente para este relato com um fato pitoresco: no passeio de barco pelo rio Reno, a maior atração surgiu em uma das margens, com jeito de praia, repleta de gente – todo mundo nu. (O que não deixou de ser uma espécie de “grand finale”, já que, de Colônia, eu voltei a Paris e, de lá, para casa. Embora não tenha sido tão simples assim).

Kölner Dom - realmente 'Wunderbar' - Erguida ao longo de mais de seiscentos anos, ao ser concluída, em 1880, era o prédio mais alto do mundo, com 157 metros de altura.

Havia dois trens programados para fazerem o trajeto Colônia-Paris. Um, saía às nove da manhã e chegava a Paris no fim da tarde; um trem direto mas parador. Outro, tipo TGV, saía depois e ia primeiro até Bruxelas, onde haveria baldeação; mesmo assim, chegava em Paris antes do outro. Segundo o rapaz do guichê, com o meu passe de primeira classe eu tanto podia optar por um como pelo outro trem. Claro que optei pelo que saía depois e chegava antes. Só que teve um porém. A Bélgica não era um dos países aos quais meu passe dava direito. Resultado: mesmo desembarcando em Bruxelas apenas para trocar de composição, fui obrigado a pagar quase 50 dólares a mais. Ou, então, seria simplesmente preso.

O que não tem jeito, remediado está. De modo que, de tardezinha, eu estava de volta e devidamente acomodado no Ibis La Bastille, preparando-me para voar no dia seguinte de manhã para o Brasil, via Estados Unidos. Aí, entra mais uma (felizmente a última) “cortesia” da agência de viagens cearense. Eu sequer havia me dado conta disso, mas minha volta tinha sido marcada assim: Paris-Washington-Miami-São Paulo-Fortaleza. Desse jeito mesmo, em vôos seqüenciados e sem intervalos. O que me manteve com o cinto afivelado por nada menos do que vinte e uma horas seguidas!

Precisei de uma semana de férias para me recuperar dessa.

21 de abril de 2008

Douce France

A travessia do Atlântico Norte é mais curta que a do Atlântico Sul. Por isso, após umas cinco horas de vôo (acho) no moderníssimo e super lotado Boeing 777 da United Airlines, pousamos no Aeroporto Charles De Gaulle. Chegar em Paris, procedente dos Estados Unidos, “est une autre chose”. A passagem pela Alfândega é rápida, com o mínimo de burocracia. Mas na hora de pegar a bagagem, a possibilidade de tomar um susto não muda. Uma das minhas malas, por exemplo, teve o fecho arrebentado – não sei se por maus tratos ou por tentativa de roubo (só tinha roupa, mesmo). Mas, achei que não valia a pena arranjar dor de cabeça, deixei pra lá, e fui embora para o hotel.

Fiquei no Ibis La Bastille, integrante da cadeia de Hotéis Accor, e que pode ser definido como uma máquina de hospedar: tem tudo o que a gente precisa em termos de acomodações, mas serviços reduzidos ao mínimo. Em compensação, tem preços altamente atraentes. E, no caso, uma localização excelente: bem próximo a um centro cultural, lojas, restaurantes, estações do metrô etc. E junto a um movimentado Boulevard onde acontece uma grande feira livre aos domingos.

Os seis dias que passei em Paris, desta vez, foram muito bem aproveitados. Retornei a alguns lugares que já visitara, mas procurei conhecer novos. Entre estes, a magnífica Sainte Chapelle, no antigo palácio real (hoje, Palais de la Cité). Mais que tudo, porém, tentei “viver” um pouco da cidade, andando à toa, procurando restaurantes populares, tomando soup a l’oignon sentado num bistrô de frente para o rio Sena, andando de metrô e pegando ônibus sem destino, fuçando nas lojas, puxando conversa com as pessoas. Mas fiz, igualmente, programas bem turísticos, tipo jantar num Bateau Mouche (uma delícia, nos dois sentidos) e assistir ao show do Lido – que, pelo visto, virou coisa para americano: até as piadas são em inglês (de qualquer jeito, o visual valeu a noitada).

Mas não fiquei só nisso. Reservei um dia inteiro para ver castelos no Vale do Loire. Estava meio chuvoso, visitamos apenas três châteaux, mas só o passeio no campo já teria compensado.

Começamos por Chenonceau, uma pequena jóia arquitetônica, notável em mais de um aspecto: primeiro, porque foi erguido, como uma ponte, atravessando um braço de rio; segundo porque, tendo sido construído para Diane de Poitiers, amante do rei Henri II, passou, após sua morte, para o domínio da rainha Catarina de Medicis, que afirmou sua posse mandando fazer um belíssimo jardim. Todo o conjunto, aliás, é verdadeiramente lindo.

Em seguida, visitamos Cheverny, um castelo particular de construção mais recente e ainda habitado pela família proprietária: os turistas não têm acesso à área privativa do castelo, só aos salões sociais. Muita beleza, muito luxo, muita nobreza, mas falta um “plus” qualquer. A visita a esse castelo valeu mais pelo almoço num restaurante próximo, instalado na antiga cozinha de outro castelo, e que foi, simplesmente, fora de série: comemos uma salada divina, acompanhada por algo crocante (que não me arrisquei a perguntar o que era), seguida de um magnífico salmão grelhado, tudo devidamente regado a bom vinho.

Na seqüência, dirigimo-nos à pièce de resistance do programa: o castelo de Chambord, uma enorme e maciça construção no centro de um imenso bosque e reserva de caça – coisa de reis. Residência favorita de François I, que mandou construir algumas de suas alas mais deslumbrantes, continua sendo uma referência mundial de beleza e grandiosidade (no Brasil, já foi até nome de carro de luxo). Onde eram as acomodações dos serviçais, hoje é um charmoso hotel; e as antigas cavalariças foram adaptadas e transformadas em loja de souvenirs, adega e bar, onde degustei duas boas taças de vinho, antes de iniciarmos nosso retorno a Paris.

No dia seguinte, quis “fazer umas comprinhas” e, naturalmente, fui direto ao Printemps, magazine vizinho e maior rival das Galeries Lafayette – ambos, os mais famosos templos de compras da Cidade-Luz. Além de algumas bugigangas, adquiri uma belíssima miniatura do transatlântico Queen Mary (o de 1936), que depois tive preguiça de montar e até hoje permanece na caixa, intacta. Na hora do almoço, aproveitei e subi até o sexto andar, onde existe uma espécie de praça de alimentação, dominada por uma belíssima cúpula Art Nouveau, da qual eu já tinha ouvido falar. Essa cúpula, um vitral imenso, foi desmontada e ocultada durante a ocupação alemã, na segunda guerra mundial, a fim de evitar bombardeios e prevenir “acidentes”.

A lanchonete, bem embaixo da cúpula, estava inteiramente lotada. Por isso decidi, ao invés de ficar na fila e esperar, entrar no Restaurant que existe logo ao lado, visivelmente luxuoso e caro. Mas, tudo bem, de vez em quando dá para encarar. Mesmo sem reserva, fui muito bem recebido pelo Maitre, que me conduziu até uma mesa minúscula. Logo apareceu uma garçonette, muito chic em seu smoking feminino, que sacou do bolso interno uma escova para migalhas (com cabo de prata) e pôs-se a limpar a mesinha. Quando eu imaginei que ela faria surgir uma pazinha (também de prata) para recolher as migalhas, a moça simplesmente deu uma “vassourada” com a escova e jogou tudo no chão! Na seqüência, trouxe e colocou na minha frente uma salada – que eu julguei ser a entrada habitual da casa e resolvi comer. Na verdade, porém, a salada fora pedida pelo Monsieur da mesa vizinha, que teve de esperar pela dele... Choses de la vie.

Como de costume, eu estava viajando com mais roupas (e malas) do que o necessário. Devo dizer, a meu favor, que algumas das roupas (terno, por exemplo) eu levara por causa do cruzeiro marítimo. Mesmo assim, havia exagerado. Como tinha, necessariamente, de voltar a Paris a fim de pegar o avião para os States, fiz o seguinte. Botei dentro da mala grande tudo o que não precisava ou não pretendia mais usar, e deixei no guarda-volumes do hotel. Pronto. Saí Europa afora levando apenas dois sacolões de viagem.

16 de abril de 2008

Tempo de Misses

Em 1966, eu trabalhava na Standard Propaganda do Rio, e atendia Helena Rubinstein, um dos patrocinadores do Miss Brasil. A poucos dias do concurso, o Sérgio Kattar, da TV Tupi, responsável pelo script adoece com um febrão daqueles (talvez já fosse a tal da dengue). A produção do concurso pediu “socorro” aos patrocinadores e Helena Rubinstein acionou a Standard, que me escalou para cuidar do assunto. Apresentei-me no Hotel Serrador, ‘quartel general’ da produção do desfile e fui instalado em um apartamento-escritório, com direito a algumas mordomias e muita paparicação por parte das “Mães de Misses” (sim, elas existem e são poderosas!). Durante dois dias e duas noites, não fiz outra coisa a não ser escrever textos e mais textos sobre vestidos, trajes típicos e as maravilhas do Estado de cada miss. Estimulado pela proximidade daquele monte de mulher bonita, peguei o embalo e fiz o meu trabalho direitinho. Como recompensa, pude assistir ao concurso (vencido pela Ana Cristina Ridzi) da tribuna de honra, na qualidade de membro da Comissão Organizadora, e com acesso aos bastidores. Terminado o concurso, ainda tive o direito de participar do jantar de confraternização com todas as misses e, de brinde, sentado bem em frente à mignon mas belíssima Miss Universe 1965, a tailandesa Apasra Hongsakula.
Comentários pertinentes:
1. A Ana Cristina Ridzi tinha uma irmã gêmea absolutamente idêntica, a Elizabeth (só um pouquinho mais extrovertida), e tirou o máximo proveito disso. Como o programa cumprido pelas misses era um tanto exaustivo, quando ela estava muito cansada, fazia-se substituir pela irmã, sem que ninguém percebesse. Em Miami, porém, tendo sido alojadas em hotéis diferentes, o truque foi descoberto. E isto, parece, acabou prejudicando a Ana Cristina: ela tinha tudo para obter uma boa colocação e não ficou sequer entre as semifinalistas. (Quem me contou isso foi a própria Elizabeth, de quem me tornei amigo posteriormente em função de uma campanha da Shell).
2. Segunda colocada no Miss Brasil, a Miss Mato Grosso, Marluce Rocha, tinha medidas exatamente iguais às da vencedora (1,72m, 59kg, 93-60-93); só não ganhou porque o rosto da Ana Cristina era mais atraente, e esta ainda contava com o apoio ululante das arquibancadas.
3. A Miss Ceará, Francy Nogueira, era considerada nos bastidores como a miss de corpo mais perfeito, embora seu rosto fosse um pouco anguloso demais. Mesmo assim, ficou em terceiro lugar, devendo, por isso, ser a representante do Brasil no concurso Miss Beleza Internacional. Mas, parece que devido a problemas amorosos, renunciou e foi substituída pela quarta colocada, a Miss Minas Gerais.